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Artigo publicado pela Companhia das Letras, no Volume 14 das Obras Completas de Sigmund Freud, com a tradução de Paulo Cesar de Souza.
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Artigo publicado pela Companhia das Letras, no Volume 14 das Obras Completas de Sigmund Freud, com a tradução de Paulo Cesar de Souza.
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Artigo publicado pela Companhia das Letras, no Volume 14 das Obras Completas de Sigmund Freud, com a tradução de Paulo Cesar de Souza.
The article discusses whether psychoanalysis should be taught in universities. From the perspective of psychoanalysis, it is not necessary as the knowledge can be obtained from specialized literature and scientific meetings. However, the absence of psychoanalysis in universities has led to the formation of societies and organizations dedicated to it. From the perspective of universities, the inclusion of psychoanalysis would address the lack of emphasis on psychological factors in medical and scientific education. It could also provide a foundation for understanding psychiatric illnesses. The article suggests that a course on psychoanalysis could benefit students in various fields, such as medicine, philosophy, and the arts. Overall, the author argues that universities would benefit from including psychoanalysis in their curriculum, even though it would mainly be taught theoretically. Deve-se ensinar a psicanálise nas universidades 1919. O original alemão desse artigo é considerado perdido. Ele foi publicado primeiramente numa versão húngara. A presente versão foi feita cotejando-se quatro diferentes traduções, a espanhola inglesa, a italiana e a alemã, sendo que as duas primeiras foram feitas diretamente do húngaro. Se a psicanálise deve ou não ser ensinada nas universidades, é uma questão a ser considerada de dois pontos de vista, o da psicanálise e o das universidades. 1. No tocante, a psicanálise. Sua inclusão no currículo acadêmico seria motivo de satisfação para um psicanalista, mas ao mesmo tempo é evidente que ele pode prescindir da universidade sem prejuízo para sua formação. Pois, o que ele necessita teoricamente pode ser obtido na literatura especializada e aprofundado nas reuniões científicas das sociedades psicanalíticas, assim como na troca de ideias com os membros mais experientes. Quanto à experiência prática, além do que aprende na análise pessoal, ele adquire ao tratar pacientes sob o aconselhamento e supervisão de colegas já reconhecidos. A existência de uma tal organização se deve justamente ao fato de a psicanálise estar excluída das universidades e ela continuará a exercer uma função decisiva enquanto se mantiver essa exclusão. 2. Quanto às universidades. A questão depende delas decidirem se estão dispostas a atribuir algum valor à psicanálise na formação de médicos e cientistas. Caso afirmativo, a questão seguinte será onde e de que forma ela deve ser incluída no currículo acadêmico. A importância da psicanálise para o conjunto da formação médica e acadêmica se baseia nos dois seguintes fatos. a. Nas últimas décadas essa formação tem sido justamente criticada pelo modo unilateral como orienta os estudantes nos campos da anatomia, da física e da química, enquanto não deixa claro para ele o significado dos fatores psíquicos nas diversas funções vitais, assim como nas enfermidades e em seu tratamento. Essa lacuna na educação médica se faz sentir mais tarde como flagrante deficiência do profissional médico. A consequência disso é, por um lado, o desinteresse pelos problemas mais interessantes da vida humana, seja sadia ou enferma, e por outro a inabilidade ao tratar o paciente de modo que até mesmo charlatãs e curandeiros terão mais influência sobre este. Essa óbvia carência do ensino levou, algum tempo atrás, à inserção de cursos de psicologia médica no currículo universitário. Mas na medida em que o teor desses cursos era determinado pela psicologia acadêmica ou pela psicologia experimental, com um enfoque apenas fragmentário, eles não podiam satisfazer as necessidades da formação do estudante nem avizinhá-los dos problemas humanos gerais e daqueles de sua profissão. Daí a posição desse tipo de psicologia médica no currículo universitário tem se revelado insegura até o momento. Um curso de psicanálise bem poderia responder a essas exigências. Antes de se chegar à psicanálise propriamente, seria necessário um curso introdutório que tratasse das relações entre a vida psíquica e a somática, fundamento de qualquer psicoterapia, que descrevesse os vários procedimentos sugestivos e, por fim, demonstrasse como a psicanálise representa o término e coroamento dos métodos anteriores de tratamento psíquico. Mais do que outros métodos, de fato, a psicanálise é adequada para ensinar psicologia ao estudante de medicina. b. Uma outra função da psicanálise seria oferecer uma preparação para o estudo da psiquiatria. Em sua forma atual, a psiquiatria é de caráter meramente descritivo. Apenas ensina o estudante a reconhecer uma série de quadros clínicos, capacitando-o a distinguir quais deles são incuráveis e quais são perigosos para a comunidade. Seu único vínculo com os outros ramos da ciência médica está na etiologia orgânica, ou seja, no tocante ao organismo e à anatomia. Mas a psiquiatria não proporciona o entendimento de fatores observados, algo que apenas a psicologia profunda pode fazer. Na América, pelo que estou informado, já se reconhece que a psicanálise, como a primeira tentativa de psicologia profunda, faz bem-sucedidas incursões nessa área inexplorada da psiquiatria. Por isso, muitas escolas médicas organizaram cursos de psicanálise como introdução ao estudo da psiquiatria. O ensino da psicanálise teria de proceder em dois estágios, um curso elementar destinado a todos os estudantes de medicina e um curso especializado para psiquiatras. C. Ao investigar os processos psíquicos e as funções intelectuais, a psicanálise segue um método próprio, cuja aplicação não se limita ao âmbito dos estudos psíquicos, mas estende igualmente a resolução de problemas na arte, na filosofia e na religião. Nesse sentido, ela já forneceu novos pontos de vista e trouxe importantes esclarecimentos em questões de história da literatura, mitologia, histórias das civilizações e filosofia da religião. Portanto, esse curso geral deveria também ser aberto aos estudantes dessas áreas da ciência. A fecundação dessas outras disciplinas pela psicanálise certamente contribuirá para forjar um vínculo mais sólido entre a medicina e os ramos de saber da filosofia e das artes, no sentido de uma universitas literarum. Em suma, podemos dizer que uma universidade só teria a ganhar com a inclusão do ensino da psicanálise em seu currículo. É verdade que esse ensino somente poderia ser ministrado de forma dogmática, em aulas teóricas, pois quase não haveria oportunidade para experimentos ou demonstrações práticas. Para a pesquisa que o professor de psicanálise deverá realizar, bastaria-lhe ter acesso a um ambulatório com pacientes neuróticos. E quanto à psiquiatria psicanalítica, um serviço de internação também deveria estar disponível. Por fim, cabe considerar a objeção de que, dessa forma, o estudante de medicina jamais aprenderá realmente a psicanálise. Isso é verdadeiro se pensamos no efetivo exercício da psicanálise, mas para os propósitos em vista, é suficiente que ele aprenda algo sobre e com a psicanálise. Afinal, tampouco se espera que o estudo universitário transforme um estudante de medicina num cirurgião hábil. Quem escolhe a cirurgia como profissão não pode escapar a vários outros anos de trabalho e especialização no departamento cirúrgico de um hospital. Você acabou de ouvir a leitura do artigo Deve-se Ensinar a Psicanálise nas Universidades, de 1919, de Sigmund Freud, publicado pela Companhia das Letras no volume 14 de suas obras completas, tradução de Paulo César de Sousa.