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Agostinho da Silva - Um Poema que teima estar à solta.

Agostinho da Silva - Um Poema que teima estar à solta.

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"O que acontece no Mundo é que toda a gente que nasce, nasce de alguma maneira poeta. Inventor de qualquer coisa que não havia no Mundo ainda, antes deles nascerem. E inteiramente individual. Cada um poeta que é!" Será que na conjuntura atual onde prolifera o policiamento da linguagem e a cultura woke tem cada vez mais fiéis, personagens como Agustimho da Silva teriam espaço para surgir? Um olhar de Pedro Moleiro. Em parceria com o jornal Postal do Algarve e com o centro Europe Direct Algarve.

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Transcription

The transcription discusses the ideas of philosopher Agostinho da Silva, who believed that everyone is born with a creative and poetic nature. He emphasized the importance of individuality and criticized the idea of being "normal." Agostinho da Silva's disruptive ideas were not well received during the authoritarian regime in Portugal, leading him to exile. He later made significant contributions to academia in Brazil. The transcription also mentions the importance of critical thinking, creativity, and curiosity in education, and raises the question of whether such thinkers would have a place in today's society. The speaker reflects on their own experiences with influential teachers and their appreciation for Agostinho da Silva's ideas. O que acontece no mundo é que toda a gente que nasce, nasce de alguma maneira poeta, inventor de qualquer coisa que não havia no mundo ainda, antes de nós nascerem. E inteiramente individual, cada um poeta que é. Esta frase fora proferida pelo professor Agostinho da Silva, um filósofo cearista do século XX, que, em 1990, concedeu à RTP um conjunto de três entrevistas com três interlocutores diferentes, as quais se chamaram de conversas vadias. É certo que, nos dias de hoje, o termo vadio tem em regra, em geral, uma conotação negativa, dada a carga desalinhada que a palavra desempenha. Mas é precisamente por aí que, entre outros assuntos do cotidiano, o pensamento do professor Agostinho da Silva se destaca e, ainda hoje, após 117 anos do seu nascimento, inúmeros pensadores da nossa praça o aclamam como exemplo. Nascido na cidade do Porto, Agostinho da Silva fora, ainda recém-nascido, viver para a aldeia Rainhana de Barca d'Alva, onde, contra a sua vontade, concluiria a instrução primária. De seguida, regressado à Mui Nobre, sempre leal e invicto à cidade tripeira, aos 22 anos se formaria em Filologia Clássica, convindo valores de média e iniciando as suas funções de docência. Não creio, não creio, que a coisa melhor do homem seja ser normal, como me parece que não é a fruta melhor do mundo ser normalizada, que agora Portugal está importando, ou a CEE, em contexto, se a CEE, é claro, vai obrigar a importar. Com o advento da ditadura nacionalista-autoritária encapsada por Oliveira Salazar, o país deixou de ter espaço para as concepções disruptivas do professor Agostinho da Silva. Expulso do ensino, foi forçado a exilar-se. Passando pelas mais variadas nações, onde enriquecer a sua bagagem intelectual e cultural, foi em 1947 que aceitou as reais em terras de Veracruz. Tal presença fora marcante não só na sua vida, como no meio académico brasileiro, tendo, entre muitos outros trabalhos, fundado a Universidade Federal de Santa Catarina, onde criou o Centro de Estudos Afro-Orientais, desenvolvendo a sua filosofia dedicada ao pensamento português do século XIII, às interações entre Portugal e os povos coloniais, bem como o fomento da cultura do ócio e do belo. O homem não nasce para trabalhar, o homem nasce para criar, para ser o tal poeta à solta. Após tudo isto, é líquido afirmar que as ideias do professor Agostinho da Silva são utópicas, o que apenas quer dizer que ainda não se reuniram condições para serem aplicadas. Mas mais do que questões utópicas, o senhor deixou-nos vários apontamentos, sendo, a meu ver, o espírito crítico, a capacidade de sonhar e criar, bem como o fascínio e a curiosidade pelas artes, as suas mais importantes lições. Recentemente, Opeca Resquilha, diretora de uma escola pública no estado norte-americano da Flórida, fora forçada a renunciar ao seu cargo, depois de um pai ter reclamado sobre a exposição dos alunos à nudez e pornografia. O que estava em causa foi, numa aula de arte renascentista, a demonstração da escultura David de Miguel Angel, uma obra que possui mais de cinco séculos. Era tal acontecimento que fez-me recordar não só as conversas vá-dias, mas também os meus tempos de estudante no ensino secundário de Línguas e Humanidades do Liceu do Entroncamento e da sorte tremenda que tive ao passar pelas aulas de três professores que me marcaram até hoje. Lembro, com saudade, as aulas de português da professora Ivone que nos obrigava, como alunos de letras, a criticar não só o acordo ortográfico de 1990, que ainda hoje recuso a adotar, mas também a possuir ferramentas necessárias para discordarmos dos pressupostos que o Ministério da Educação definia para a escrita, rica e complexa, de Fernando Pessoa, achando sempre um assunto demasiado subjetivo para se colocar numa simples grelha de avaliação. Também promovia a leitura de outros autores, bem como nos incentivava a assistir outras formas de arte. Havia, ainda, as aulas de História do professor Henrique Leal, onde, com mestria, nos ensinava a disciplina como se nos contasse uma história, levando-nos, sorrateiramente, a pensar a atualidade à luz do passado, formando-nos, não só curricularmente, mas ideologicamente e cívicamente, de modo a compreendermos o mundo à nossa volta. Também tentou, evitando o tão extenso e formatado programa curricular, incrementar, uma vez por semana, um clube de poesia em que, durante cerca de 10 minutos, as guerras mundiais faziam uma pausa e eram substituídas por sonetos e trecetos, rimas intercaladas e perfeitas. Mas o rei dos docentes disruptivos era o infelizmente já falecido João Maria, que, a determinada altura do ano letivo, nos dizia que estava farto do programa e tentava mexer, sempre que possível, com o status quo das aulas de Geografia. Entre lições dadas no pátio da escola, a viagens de comboio para irmos visitar o Convento de Cristo, à exposição da sua coleção pessoal de fardamentos e outros artefatos ferroviários, foi graças a ele que vi, em pleno horário letivo, uma minissérie cujo protagonista era Alec Baldwin, sobre o julgamento de Nuremberg, bem como um dos filmes que mais marcou e cujo final justifica todo o esforço empenhado para a criação da sétima arte, o cinema paraíso. Tal como a relação de Salvatore com Alfredo, eu procurei seguir as pisadas do professor João Maria da Aceiceira, tendo tirado o mesmo curso, na mesma instituição onde ele tiver estudado. Enfim, se eu não me tivesse cruzado com estes três exemplos, certamente que hoje não seria sensível ao legado do professor Agostinho da Silva. Contudo, a questão que fica é, será que na conjuntura atual, onde proliferam os policiamentos da linguagem e a contracultura woke tem cada vez mais fiéis, personagens como Agostinho da Silva teriam espaço para surgir? Sejam bem-vindos ao Que Nome Damos a Isto, e fiquem com o tema Start to Move, dos Históricos Nacionais Blessed Mechanism, como sugestão musical desta semana. Sou o Pedro Moleiro, 28 anos, nascido em Ambrantes, geógrafo de formação e paixão. Muito mais vivo que morto, contai com isto de mim, para comunicar, e para o resto. Mas o que eu procuro, vou-lhe tirar a exemplo do gato, eu procuro o mais possível ser um gato bem manso, de maneira que a vida venha, me pegue pelo cachaça e me leve aonde for e escorre em parares.

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