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This is the third episode of the podcast "Entrevistas de uma Aula de Matemática" hosted by Jonathan Rodrigues, focusing on reflections and experiences involving mathematics and the LGBTQIA+ community. The guest, Anders, shares her memories of school, including experiences of violence and exclusion. She mentions her admiration for her math teacher, who she found firm and in control. Anders does not feel a strong connection to mathematics in her life beyond its practical use for financial organization. She relates more to chaos, poetry, and abstract concepts in her artistic pursuits. Anders discusses her interest in Greek atomist philosophers and their ideas about time and space. She believes that the education system's emphasis on formulas and rules for tests and exams limits the potential for a deeper understanding and connection to mathematics. She questions why there is no prestigious mathematics award like there are for other sciences. Anders concludes that the way mathematics is ta Seja muito bem-vinde, bem-vinda, bem-vindo, bem-vindo, bem-vindo, bem-vindo, bem-vindo, bem-vinda, bem-vindo ao terceiro episódio do podcast Entrevistas de uma Aula de Matemática. Eu, Jonathan Rodrigues, vou te acompanhar nesse jeito de reflexões, memórias e ressignificações envolvendo a matemática e a população LGBTQIA+. Importante anunciar que este podcast faz parte da minha dissertação de mestrado, que busca possibilitar um olhar acolhedor à comunidade LGBTQIA+, juntamente com a educação matemática, tornando-se um meio representativo, político e humano, sob orientação do professor doutor Maurício Rosa, do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Nesse episódio, eu deixarei minha convidada se apresentar, nascida na cidade de Pato Branco, no estado do Paraná, mas residiu hoje no estado do Rio Grande do Sul, mulher de uma energia ímpar e pensamento revolucionário. Hoje, pergunto, quem é você? Quem eu sou? Eu sou artista, eu sou atriz, diretora, eu toco na noite, eu produzo, também trabalhei muito tempo como técnica de som de luz, sou uma travesti bastante preocupada com o mundo em que vivo, me relaciono com o mundo de uma maneira mais poética, mas não menos política, a minha política se organiza a partir da poética e das maneiras com que ela me possibilita me comunicar com o mundo, acho que me apresentaria assim, oi, eu sou a Anders. Hoje, a Anders se reconhece como Seladin, incandescente de pensamento, bela e brilhante como uma linda estrela. Nosso papo transita inicialmente pelas suas memórias escolares. Estrela tem uma postura de respirar profundamente em um movimento de buscar suas memórias do tempo de escola. Eu não tenho muitas memórias do tempo de escola, pra te ser bem honesta assim, as minhas memórias são coisas mais marcantes, tipo, não poder muito ir ao recreio, ter que ficar trancada na sala de aula em função de violências, obviamente, acho que a população, a comunidade LGBTQIAP a mais, de uma maneira geral, conhece um pouco essas violências do período escolar, eu não tenho memória de nenhuma outra pessoa no meu período escolar que pertencesse a essa comunidade, se existiam, a gente se escondia de mais umas das outras, eu mesma não ia pro recreio, por exemplo, eu não tenho muitas memórias, ai que delícia um doce, eu não tenho muitas memórias do meu período escolar, assim, eu sempre fui muito boa aluna, sempre tirei notas muito boas, nunca fui uma pessoa que os meus pais precisaram ir à escola porque tava tendo algum problema, alguma coisa do gênero, é isso, não é um período marcante na minha história, por exemplo, a escola, não é algo que é marcante pra mim, eu não tenho nenhuma amizade dessa época, por exemplo. Diante das lembranças de estrela, pergunto o que ela recorda de sua professora de matemática, quais lembranças ela consegue buscar? Matemática que eu lembro o nome, eu não sei, a perfumada ainda, a maravilhosa, é a Orselei, eu lembro o sobrenome, Orselei de Grande. Eu lembro que ela era mais diferente das outras professoras, ela não tinha uma relação muito acalorada, não era muito afetiva, assim, como outras professoras que tinham, mas não sei, eu lembro, eu ainda lembro dela com uma, eu tinha uma certa admiração por ela, eu achava que ela era uma mulher muito firme, eu achava que ela controlava bem a turma, não sei assim, sabe, ela me transmitia uma certa segurança, eu acho, sabe? Estrela responde meus questionamentos de uma forma afetiva, filosófica, contribuindo e relacionando com a sua caminhada enquanto pessoa e profissional. Qual a relação que ela visualiza entre ela e a matemática? Assim, não sei, ela não faz parte da minha vida, pra te ser honesta, assim, pensando na matemática como as coisas, eu não estabeleço muito essas relações, eu acho que outras coisas foram surgindo nesse sentido, mas aí acho que tá ligado um pouco também ao fato do recorte artístico em que eu me insiro, recorte de produção em que eu me insiro, a gente precisa também se produzir, então a gente precisa ter uma certa organização financeira, a gente não pode se perder, sabe, tem uma batalha, não tá em primeiro plano, nenhuma coisa que eu pense filosoficamente sobre, sabe, não é, não sinto parte da minha vida, apesar de, obviamente, é inegável que ela faça parte, olha agora que eu vi a minha meia tá rasgada aqui no dedo, ela faz parte da nossa vida, mas não é, não se dá atenção, não me relaciono com ela como uma, talvez com o tamanho que eu deveria, saca? Neste momento, Estrela percebe que sua meia está rasgada e relaciona que sua meia que usa no momento faz parte da vida dela, mas não dá atenção necessária, assim como a matemática. Estigo, ela pensar o porquê que ela acredita que não se relaciona com a matemática além da função monetária. Não sei, nunca parei pra pensar, tô sendo bem honesta assim, respondendo nesse sentido. Me parece algo distante pra mim das coisas que eu penso majoritariamente na minha vida profissional, por exemplo, que tá sempre em foco pra mim são outras camadas, outras coisas que não estão ligadas à exatidão, eu acho, sabe? Como diria a música, tá tudo bem, tá tudo certo, como dois e dois são cinco. O meu dois mais dois é cinco, às vezes, saca? Então acho que tem, acho que talvez tem até uma relação quase que de se relacionar de uma maneira superficial com isso, com o estereótipo do que a gente imagina desse universo, da exatidão, da razão, do controle, do compresso, das respostas específicas, enquanto filosoficamente, por exemplo, o meu mover no mundo tá mais ligado a outras coisas, tá ligado ao caos, à poesia, à desordem, a construções-desconstruções, às relações amorfas, percepções variadas. Eu acho que é um pouco por isso, talvez, acho que por eu ser essa pessoa, talvez eu não tenha essa, não tenha desenvolvido essa relação, nunca foi. A arte atorou na minha vida muito cedo, assim, meu raciocínio todo, ele meio que foi desenvolvido a partir desses raciocínios, sabe? Estrela, expressa que diante de todos os raciocínios que ela relaciona, por onde vem usar matemática nesse universo de exatidão, da razão, do controle, do concreto, das respostas específicas que expõe. Eu estudo muitos atomistas gregos, por exemplo, que são pensadores que não foram muito divulgados quanto os outros, Aristóteles e Filipe Lossos, os assim, reconhecidíssimos, mas atomistas gregos são maravilhosos. Eu estudei, assim, quando eu estava estudando o tempo e o espaço, que são duas matérias da cena no teatro, para a gente, tempo e espaço, eu acabei conversando muito tempo com a professora Thaisi, que é uma professora doutora do curso de Física da Urug, que eu fiquei entrevistando ela, pensando e me direcionando nesse tempo. Que aí, por exemplo, a física, a parte da física que está ligada à relatividade, a todas essas outras coisas que não envolvem cálculos, por exemplo, me fascinam imensamente. Então, quando a gente fica pensando em coisas biológicas, sei lá qual, Maturana e Varela, quando falam naquela árvore do conhecimento sobre autopoésias, que a gente só existe porque está em relação, e de como isso afeta. Observações da física, por exemplo, também, que falam que os experimentos, ao serem observados, eles reagem de maneira diferente, de como as sensações de tempo, elas também foram, nós somos muito guiadas por um tempo que é inventado, que é cronológico, de horas, dias, meses, e aí a experiência do tempo acaba se perdendo. Outras ideias nesse sentido. Então, acaba sempre indo, quando eu me aproximo desse universo, acaba sempre sendo conduzido exatamente nessa direção que tu falas. Sobre as teorias do caos, sobre a relatividade, sobre essa parte mais filosófica, acaba sempre sendo, também, um jeito de pensar-se humano. Essas características aí, sei lá. Aí, pode dizer para agora, já fui, para onde é que eu vou? Quando eu peço para fazer, vou fazer. Vou para aleviar as paixões humanas. Otimismo, pessimismo, amor, ódio, eu esperando. Eu vou para esses outros lugares, assim. Então, o raciocínio, ele acaba nunca indo muito na direção de respostas. É sempre mais de questionamentos e de buscas. E, de alguma maneira, estereotipadamente, eu assumo isso, porque eu acho que a gente precisa ter essa relação, me parece que a matemática, apesar de estar presente nesses lugares, ela nunca está em evidência. Eu não reconheço o que há de matemática nisso. É mais nesse sentido que eu digo que ela não está em primeiro plano. É óbvio que agora, conversando contigo e pensando sobre as possibilidades do que a matemática é, para além da maneira estereotipada que a gente se relaciona, ela está ali, mas ela dificilmente vai vir nos meus argumentos. Eu acho que ela está sempre, parece que, escondida, renegada. Sei lá, eu estou filosofando agora aqui contigo. Olha o que eu estou fazendo, filosofando. É isso. Deixe-me filosofar na qual estrela brinca estar, no qual expõe que a matemática não está em primeiro plano em suas relações. Expõe seu pensamento da seguinte maneira. Aí eu posso entrar em uma célula maior ainda, eu acho, mas de alguma maneira é o que acaba me respondendo um pouco isso, que é o nosso currículo escolar está organizado de uma maneira muito hermética. Eles preparam as pessoas, a sensação que eu tenho é que essas crianças e adolescentes estão sendo preparadas para o vestibular. Então tudo se estabelece a partir de regras, como é que fala aquelas coisas que a gente sempre tinha que fazer? Fórmulas, e a máscara, e o... Coisas que me parece que se distanciam, que se distanciam não, que não são elas que se distanciam, que acabam nos distanciando de outras relações possíveis da matemática com a nossa existência. O próprio Prêmio Nova, não tem Prêmio Nova de Matemática, por exemplo. Não há Prêmio Nova de Matemática, há de todas as outras ciências, menos essa. O que acontece? Por que a gente se distancia da matemática? Eu acho que talvez por isso, porque o que as pessoas evidenciam dela ao longo da nossa formação e de como a gente vai absorvendo ela é único e exclusivamente desse caráter de cálculo. Parece que a matemática nos é apresentada como cálculo, como fazer cálculos. Acho que é isso um pouco, eu acho que é isso. Estou culpando o quê? Estou culpando as abordagens educacionais deste país pela matemática estar distante de nosso raciocínio. Porque é isso, eu nunca na minha vida me peguei falando sobre matemática a não ser neste momento que eu estou aqui diante de ti. E eu nem sou uma pessoa distante destes universos de construções de pensamento. Eu sou alguém que passou pela academia, que passou por um mestrado. Então, teoricamente, estas articulações foram bastante presentes na minha vida e nunca, em nenhum momento, ela esteve em primeiro plano com uma possibilidade de discussão e de construções filosóficas. É nesse sentido que eu digo que ela não está em primeiro plano. É evidente que ela existe, é inegável que ela está ligada a todas as outras coisas. A gente aprende isso, que a matemática está em todos os lugares, mas a gente não percebe isso. Eu acho que por essa construção, por essa construção que faz com que a gente saia da escola especificamente, porque é um período importantíssimo na nossa formação e construção de ideias, inclusive com coisas que a gente queira brigar contra, a matemática acaba ficando um pouco, me parece, numa relação mais geral, obviamente, porque não dá para se dizer com muitas pessoas, sobre coisas que precisam ser combatidas. As pessoas saem com uma sensação ruim de que era uma matéria que não gostava, de que era muito difícil, de que era muito cálculo. Elas saem com essa sensação e acabam não carregando um lado afetivo com a coisa. Instigo Estrela a relacionar a comunidade LGBTQIA+, com a matemática, com pessoas trans hoje no ensino médio. Eu paro no comunidade. Que comunidade? O que é comunidade? É comunidade, mas não é sobre isso que estamos falando. Pode falar, pode falar, pode falar. Tu mesmo já falou aí sobre essa impossibilidade que a maior parte das pessoas, a maior parte das pessoas trans têm de concluir o ensino básico, fundamental e médio. Por que eu digo o que é essa comunidade? Porque não é a mesma relação que meninos, gays, cis, brancos têm com o mundo. A relação é diferente. Há um lugar de inúmeros privilégios aí que são constantes nesse sentido. E é por isso que eu questiono o que é comunidade. É diferente. E quando a gente pensa sobre formação também já vai num outro lugar. Quando eu questiono, por exemplo, essa estrutura do currículo de formação desse curso básico, é também uma outra porta para questionar de que saberes estamos falando mesmo. Então, ao mesmo tempo que não tem informações específicas, às vezes, desses espaços mais legitimados, eu acho que é sobre isso, por exemplo, nós vemos grandes artistas na noite, por exemplo, que recebem em inúmeros lugares de pessoas dessa comunidade com outras construções de saberes. Sei lá, se a gente pensa nos ballrooms, se a gente pensa nas cenas das boates aqui do país com dublagem, shows de drag queens, boa parte também dessas pessoas aí também não passaram por uma formação tradicional, legitimada, mas há suas construções de saberes. E às vezes, essas pessoas, por exemplo, que acabam também tendo de se gerir e de fazer outros trabalhos, de buscar outras maneiras da vida, acabam, às vezes, valorizando mais esses outros espaços, saca? Porque não os tiveram. Sentem a necessidade disso, usam, até talvez a própria relação com a matemática aí esteja num lugar que é de... Você... Desafio Estrela a pensar, se hoje ela retornasse à escola, qual seria a sua ação em prol da diversidade? Qual seria uma possibilidade utilizando a matemática? É que eu acho, não, eu não acho, eu tenho certeza. A minha existência nos espaços já é uma ação política bastante transgressora em vários aspectos. Meu corpo já carrega, inevitavelmente, essa ação. Nesses espaços, então, por exemplo, espaços de escola, fica bastante evidente isso, e nem tanto pelas crianças, hoje em dia, para ser honesta. Elas têm um tom mais de curiosidade, de tentar entender, de saber, de se... Mas a estranheza maior vem dos profis, das profis, vem desse outro lugar, para ser honesta, assim, mais do que das próprias crianças. Então, eu acho que só... Como diria o Emigra na taxa que está aqui, eu acho que nós temos que estar em todos os espaços. A taxa de vícios é fundamental. Eu acho que a nossa existência nos espaços, ela já carrega em si essa ação política de fazer algo pelos nossos, sabe? Inevitavelmente, essas pessoas que somos, as experiências pelas quais passamos, a maneira com que a gente percebe a vida, já vai afetar a maneira com que a gente se comunica ou transmite alguma informação. Ela vai estar sempre atravessada por esse viés, por esse viés que é tido bastante como um lugar de... de marginalidade, e marginalidade no sentido daquilo que é varrido mesmo do centro, daquilo que é sempre tentado esconder de uma maneira geral, de deixar no canto, de não ser a regra, e de que o maior elogio para pessoas como nós é o exótico. Quando isso, na verdade, nem elogio é, porque é aquilo que foge do olhar, é aquilo que é sempre o estranho, o que não corresponde, o que está em outro lugar. Então, dentro desses espaços, assim, é isso, eu acho. Só nossa existência nesses espaços, mas também não dá para ser uma existência calada, não dá para ser uma existência que serve ao sistema, nesse sentido. É preciso que isso esteja, sim, nas nossas falas públicas, é preciso que isso esteja em primeiro plano na nossa existência, é preciso que a gente articule essas falas, é preciso que a gente não fuja quando esses assuntos acontecem, é preciso que a gente esteja preparado para enfrentar essas situações. Uma outra amiga minha, a Silvana, a Silvana sempre diz, a gente precisa se instrumentalizar. Então, isso também é uma coisa que fica sempre pingando na minha cabeça, que a gente precisa estar sempre preparado. O mundo sempre nos cobra três, quatro, cinco vezes mais do que cobra desses outros espaços que estão ligados ao que é tido como padrão e como regra da nossa sociedade. Não nos é permitido o erro, não nos é permitido sair da curva, não nos é permitido pensar diferente, só nos é permitido a rua à noite e, ainda assim, nos julgam por isso. É importante, quando a gente conquista esses espaços, que a gente não negue quem nós somos e das construções que nós temos desses outros lugares dos quais nós fomos jogados e permitidos a ocupar. Porque, senão, quem está lá, quem está nesses espaços e não é permitido chegar nesses outros lugares, por exemplo... E, quando digo que não é permitido, estou falando de uma estrutura que é socioeconômica, racial. É isso que não permite chegar, é o que a gente tem de estrutural na nossa sociedade, que não permite que chegue, que não permite que uma travesti não termine o ensino fundamental, que permite que a expectativa de vida de uma travesti preta no nosso país seja de 28 anos. Porque a ideia dos 35 anos, a expectativa de vida das pessoas trans no nosso país, ela é um devaneio das brancas, como dizem várias das minhas amigas que são pretas, porque a expectativa de vida de uma travesti preta é 28. É isso que eu digo que não dá, que não deixa, e que a gente precisa levar para esses lugares. Isso é matemática, é estatística. Saca? A cada 23 minutos, um jovem negro é morto no nosso país. Isso é estatística. Isso é matemática. É nesse sentido. Qual é o peso dos números? Me parece que os números também, a gente viveu agora com essa situação que a gente ainda vive, que eu ainda não vi anunciado em lugar nenhum que a pandemia acabou, ou seja, a gente ainda vive ela, a gente está dentro dela e está tentando lutar em relação a ela. Os números foram crescendo, o número de mortos, a gente foi lidando de uma maneira muito natural com números gigantescos. Porque as pessoas que estavam com voz ativa, responsável, e aqui posso citar diretamente o, felizmente, não reeleito desprezidente da República, e que era uma voz importante nesse país, tratava as coisas como se fossem nada. Os números viraram nada. Então eu acho, e reforço essa ideia, acho que a diferença seria nós estarmos nos espaços. O que faria as coisas mudarem é com que a gente pudesse levar essas articulações, pensamentos e raciocínios construídos num outro lugar que não esse legitimado da exatidão, das regras pensadas para o vestibular e dessa construção que nos imprimem muito fortemente, a escola é um lugar em que imprime isso, sim, também na gente. A nossa existência nesses lugares e a maneira com que a gente se relaciona com o mundo levaria a uma outra abordagem, sem sombra de dúvida, como em qualquer outro lugar, como nos faltam psicólogas, médicas, advogadas, professoras, como nos faltam travestis em todos esses outros lugares, mas não é porque nós não queremos, é porque a sociedade, o sistema, não permite. Porque a maneira com que a gente pensa, se organiza, se percebe, sente, e que o mundo nos trata é completamente diferente daquele que é visto pela maioria como o mundo é, mas o mundo não é do jeito que as pessoas acreditam ou que elas querem que ele seja. Ele não é. Nossa senhora, pesei... Reafirmo para a estrela que esse é o meio que quero propor pela minha pesquisa, utilizar a matemática como agente de transformação. Utilizar a matemática não sendo preciso transformar tudo em números. Brinco que podemos fazer uma linda música. Neste momento, a estrela complementa. Então, para fazer uma linda poesia, Grace Passot, que é uma grande dramaturga e atriz brasileira, ela fez um espetáculo com a Companhia Brasileira, chamado Preto, e, em um momento do texto, ela está falando... Ela deu um número lá, 300 e alguma coisa, que era o número de jovens negros que tinham falecido em um período específico de tempo. E ela diz 300 e tantos. E daí ela faz... Um... Dois... Três... Só que a cena é construída a partir única e exclusivamente destes números, até chegar no número 300 e tantos que ela tinha dito. E é uma das cenas mais incríveis que eu já vi na minha vida aquilo dela. Então, por isso que eu te digo, dá para fazer poesia com eles. Grace o fez. E brincou com Estrela, o que ela lembra de matemática? Os conteúdos que ela aprendeu na escola? Lembro regras de três, mas tu sabe que até hoje eu nunca consegui acertar uma regra de três direito. Depois que eu passei essas coisas da escola, eu não lembro mais o que é ou aonde. Às vezes, eu já tentei fazer umas regras de três em alguns momentos que eu queria saber. Por exemplo, quando eu vou separar caixinha por bolinha. Isso não vai fazer nenhum sentido na tua cabeça. Sabe o que é separar caixinha por bolinha? Fiquei pensando. Ao invés de a gente pagar pessoas quando a gente está dividindo dinheiro de projetos de teatro, mas isso não é uma regra. Isso é um jeito que a gente vem trabalhando desde antes da minha existência. É uma coisa meio que histórica, uma construção de raciocínio que não é essa legitimada. A gente não se divide por função. A gente não se divide por pessoa, a gente se divide por função. Porque as pessoas que fazem mais coisas, elas recebem mais. Cada uma dessas funções a gente chama de bolinha. Daí, às vezes, para saber, eu tenho que botar umas coisas em alguns lugares, etc, etc. Mas o que a gente faz? Paga contador. Estrela comenta qual foi a falha que ela acredita que aconteceu em sua relação entre a matemática e a sua vida. E será que isso também não tem um pouco a ver com a realidade das pessoas, desse sentido? Não só com os profissionais, com os professores que estão ali dando. Porque o conteúdo, eu imagino que não seja tão diverso. Mas é evidente, eu mesma que já dei aula em escola particular e em escola privada, as realidades são bastante diferentes, bastante distintas. Coisas que a gente... Um vestibular, por exemplo, para pessoas de escolas públicas com baixíssima renda, vestibular. O que eu quero com isso? Não é para mim, não me pertence, eu não vou passar nunca. Então, tudo aquilo que é organizado nessa direção não vai fazer sentido. Enquanto para pessoas com mais posses, exatamente, isso já é uma realidade pertencente. Então, me parece que é um objetivo quase que obrigatório dela passar na porra do vestibular. Então, ela precisa aprender aquelas coisas para passar no vestibular. Estou aqui reforçando a minha tese maluca, das vozes da minha cabeça? Estou. Mas é um pouco isso. Por isso que é preciso você pensar nessas realidades. É preciso se organizar de uma maneira diferente. Eu tive grandes professores. Eu tinha colegas que iam para a escola literalmente para comer, porque não tinham comida em casa. Então, é um outro negócio. Eu tive bons professores, tive ótimos professores. Eu passei nos dois vestibulares que eu passei, eu passei sem fazer cursinho. Eu tive grandes professores. E eles me prepararam para os dois vestibulares. Para os dois vestibulares. É isso. Então, é tudo muito complexo. Peço para a Estrela uma sugestão de como abordar a matemática. Está travada, bicha? É, fiquei travada. Eu não acho que existe uma matemática ideal nesse sentido. Eu acho que não é o conteúdo. Eu acho que é como a gente aborda ele. Eu acho que... E isso é da comunicação, de uma maneira geral. Quando eu te disse lá atrás, por exemplo, que eu faço... Estava falando sobre o Faço Arte, que é um jeito que eu me comunico com o mundo. Eu acho que se estabelece a partir disso. E eu acho que cada pessoa, ela não só se comunica diferente, como ela também recebe diferente. Que somos diferentes. Então, eu acho que é o como tentar entender que determinadas coisas talvez não façam sentido em algumas realidades. E aí talvez tenha... Meu Deus, eu acabei de receber um podcast aqui de áudio. Só olhei o tempo até que eu vi depois. Eu acho que é isso, que é de tentar entender um pouco qual é a... Como aquilo se aplica na realidade da coisa, sabe? Mas tem coisas das quais a gente não tem que fugir. Não tem como fugir, por exemplo. É inegável que determinadas construções e esse capital intelectual que a matemática construiu ao longo do tempo, sei lá, seja das suas fórmulas, seja de qualquer uma dessas outras coisas, para alguns espaços é preciso que elas... Elas são muito mais importantes para algumas profissões. Sei lá, vou pensar em engenharia, arquitetura, coisas que exigem um pouco mais desse outro lado dela. Então, aquilo talvez... Aquilo é importante que seja, inclusive para que a gente possa ter contato com isso, para a gente poder saber se isso é a nossa ou não. Porque algumas pessoas podem ter habilidades mais artísticas, outras podem ter habilidades mais linguísticas, outras podem ter habilidades mais exatas. Qual é a nossa? Qual é a minha? Mas acho que ela precisa estar nesse outro espaço de equilíbrio também. Eu tenho uma aula de educação artística por semana na escola, e eu tenho sete de matemática na escola. Fica com o peso de que é uma obrigação desgraçada, a pessoa não quer aquilo. Não que a pessoa queira aula de educação artística, porque ela não quer também. Não que ela queira aula de educação física, porque ela não quer também. Mas acho que é por causa disso, porque as coisas estão organizadas de um jeito que não... que não faz muito sentido, eu acho. Você pega em um padrão. É, uma coisa velha, que é isso, que prepara as pessoas para um vestibular. A escola prepara as pessoas para uma prova. É essa a sensação que eu tenho. Tudo que envolve ensino fundamental e ensino médio, então nem se fala, é isso. É pensado em uma prova. Como é que um período tão grande e importante na nossa formação enquanto cidadãos se organiza majoritariamente para cinco dias no máximo, vamos dizer assim, porque alguns vestibulares têm vários dias. Sei lá, o vestibular da Urux tem quatro, três, quatro, não lembro quantos dias tem. Mas é para isso. E o resto é a vida toda, sabe? É isso que eu me pergunto muito. Nos encaminhando para a finalização dessa reflexão maravilhosa, proponho que Estrela pense em um conselho para futuros professores, professoras e professores de matemática. Nossa, que difícil. Conselho pós-profe. Oi, profe, tenho um conselho para vocês. Eu acho... Vou fechar isso, então, com algo que eu acho importante já desse... Daquilo que eu te digo, quando a gente ocupa os espaços, é importante que a gente coloque em primeiro plano essas coisas com as quais a gente inevitavelmente carrega. Eu acho que é importante, eu acho que é importante, eu acho que é importante que a gente coloque em primeiro plano essas coisas com as quais a gente inevitavelmente carrega. Eu acho que é importante, e os profs, por exemplo, se deixem nítido para essas crianças, LGBT, QI, AP, N+, que não é errado ser quem elas são. É importante que elas se sintam seguras. O professor, ele tem um grande impacto. Lembra disso que eu te disse, por exemplo, da Ursulei? Aquela minha professora de matemática, eu não lembro o nome e sobrenome, ela é uma professora de matemática A Ursulei, aquela minha professora de matemática, eu não lembro o nome e sobrenome, eu acho que tem um pouco a ver com isso. Aquela figura dela de autoridade me dava a sensação, naquele momento, de que se eu fosse na direção dela, por qualquer razão que fosse, ela não deixaria que acontecessem as violências que aconteciam comigo. E elas não eram poucas, eram violências físicas, bastante grandes. Há alguns períodos na escola que eu tinha que andar com uma tesoura para me defender. E muito pequena, assim, sete, oito, nove, dez anos de idade. E, nesse sentido, essa professora tinha um pouco isso. Independente do que ela falasse, porque ela nem era uma pessoa... Ela ficava me dando uns conselhos péssimos, que eu lembro, que era do tipo, por que você não tenta jogar futebol? Por que você não tenta falar com os meninos? Era um conselho de merda. Bastante transfóbicos, homofóbicos, não era melhor. Mas, ainda assim, a sensação que ela me transmitia é de que havia um limite do que eles podiam fazer comigo. De que tinham coisas que, independente de quem eu era, de como eu fosse, de como eu me comportasse, eles não podiam fazer. De que era muito errado. E esse limite eu acho que os professores precisam entender que não está no âmbito de discussões políticas partidárias, de lado A, lado B, esquerda, direita. Isso está ligado à existência humana. E boa parte, inclusive, da comunidade LGBT, não é nem que não termina a escola porque não tem que ir trabalhar. Porque se suicidam. Porque esse é o grau de violência que leva a gente a trair esses espaços. É preciso estar atento. É preciso ver os sinais. São responsabilidades muito grandes. Por isso que eu acho que é isso. Não como um conselho. Não como uma ordem. Não dá para ser uma regra. Mas é que é preciso carregar, inevitavelmente, esse olhar mais humanizado em relação a quem está diante da gente. É importante saber que essa vivência... E agora eu estou falando que eu. Não lembro também de ter tido professores LGBT. Eu provavelmente tive. Eu certamente tive. Mas não sei. Não tenho isso. Então a gente cresceu sem referência. A gente cresceu sabendo... A gente cresceu achando que era errado ser quem a gente é. E não é. E é impossível você estudar ou ter cabeça para alguma coisa num espaço onde você tem que estar sempre em alerta. Que você tem que estar sempre pensando o que você vai falar, o que alguém vai fazer. O que vai falar em ti sobre alguma coisa só para te debochar. Ou porque vai todo mundo, 20, 30 pessoas se reunir no final da aula, te pegar de surpresa na saída, te encher de ketchup, ovo, te jogar no barro, te rolar barranco abaixo. Porque se você sair da sala de aula eles vão te pegar porque eles estão do lado de fora te esperando. Você tem que passar mais tempo dentro do SOE porque não tem condições de você não poder fazer educação física. Inúmeras coisas. É um território de guerra. É essa a consciência que eu acho que alguns professores... Eu não sei como está hoje exatamente, mas pelas minhas experiências dando aula eu já não dou aula há uns 7 anos, eu acho. Estou com 35 agora, eu dei aula até os 20 e... Chegou alguém? Hã? É isso, eu acho. Legendas pela comunidade Amara.org

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