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In a forgotten village in 1973, Junior, haunted by guilt over his sister Ana's drowning, faces eerie occurrences hinting at a supernatural presence. Strange sounds, sightings, and encounters trouble the villagers, escalating fear and tension. Junior witnesses unsettling events involving residents, indicating a malevolent force at play. As night falls, the village is gripped by an overwhelming sense of dread and impending doom, culminating in a chilling church gathering where a sinister presence makes its presence known, leaving everyone terrified. A névoa úmida abraçava São Benedito, uma vila esquecida no tempo, engolindo o cheiro de terra molhada e abafando o canto dos poucos galos que ainda insistiam em saudar um amanhecer sombrio. Era 1973, e o sol parecia lutar para rasgar a cortina cinzenta que envolvia as casinhas de taipa. Júnior, com vinte e quatro anos, um estetoscópio pesado no pescoço, sentia o ar espesso enquanto caminhava para o posto de saúde. Seus olhos castanhos, que sempre foram inquietos, varriam a mata ao redor, procurando por algo que ele não conseguia nomear. Desde criança, ele via vultos nos cantos de sua visão, ouvia sussurros indistintos no vento, como se o mundo escondesse mais do que mostrava. Mas naquela manhã, a atmosfera era diferente. Havia uma densidade no ar, um peso que parecia prender a respiração da própria vila, uma quietude estranha que arrepiou seus braços. Júnior carregava um fardo pesado, uma culpa que o esmagava desde a morte de Ana, sua irmã caçula de dez anos. Ela havia se afogado no riacho anos antes. Ele ainda se lembrava daquele dia com uma clareza dolorosa, a imagem dela desaparecendo na água escura como um pesadelo que se repetia sem parar. Estava na margem, rindo de alguma coisa boba, quando, de repente, ela não estava mais lá. Ele jurava, com cada fibra de seu ser, que uma sombra havia puxado Ana para as profundezas lamacentas, um vulto escuro e rápido demais para ser compreendido. Mas ninguém acreditou. Criança inventa coisas, diziam os adultos com um olhar de pena que Júnior detestava. Foi só um acidente. Aquelas palavras o perseguiam, ecoando em sua mente como um sino fúnebre. Agora, aos vinte e quatro anos, a mesma sensação gélida voltava. Aquela sombra invisível parecia rastejar em sua direção. Era um frio que subia pela espinha, um peso no peito que o fazia duvidar da própria sanidade, questionar se o que via era real ou fruto de uma mente atormentada. Ele apertou o estetoscópio, o metal gelado, uma pequena âncora na tempestade que se formava dentro dele. No posto de saúde, Júnior atendia os poucos pacientes com mãos firmes, um profissionalismo mecânico que escondia a tormenta interna. Sua mente, contudo, vagava, cada som do lado de fora parecendo um eco do passado. Mateus, seu amigo de dezenove anos, irrompeu na sala com um corte profundo na mão, rindo de forma forçada para disfarçar o nervosismo evidente em seu rosto pálido. Enquanto Júnior limpava o ferimento, Mateus, com a voz um pouco embargada, contou o que o assustava de verdade. Na noite anterior, perto do riacho, ele havia ouvido um lamento, um som baixo, gutural, algo que parecia um choro preso na garganta de alguém. Um som que não era humano, mas carregava uma dor excruciante. Júnior congelou, o algodão com sangue caindo de seus dedos. Era o mesmo som, o exato som da noite em que Ana morreu. Ele terminou o curativo com os dedos tremendo incontrolavelmente e olhou pela janela, sentindo o olhar de Mateus sobre ele. A mata parecia viva, os galhos retorcidos se movendo sem que houvesse um sopro de vento, enquanto se respirassem. O silêncio lá fora não era paz, mas uma espera, um presságio. Ao entardecer, impulsionado por uma força que não conseguia controlar, Júnior foi até o riacho. A água escura refletia o céu alaranjado. Mas a beleza era distorcida, o cheiro de lama podre e um mofo úmido enchendo o ar, quase sufocando-o. Ele se abaixou na margem, a mão tremendo ao tocar a água gelada e turva. Um frio cortante subiu por seus braços, um arrepio que parecia vir das profundezas da terra. A superfície da água tremeu, não por um movimento do vento, mas como se algo abaixo estivesse agitado. Então, sem aviso, dois olhos brancos, sem pupilas, surgiram no reflexo, encarando-o de volta, vindos de um rosto distorcido pela água. Não eram olhos de peixe, nem de animal. Eram olhos de gente, mas vazios, repletos de uma dor antiga e um ódio gélido. Uma voz, a voz de Ana, clara e fria como o gelo, sussurrou diretamente em sua mente. — Você me deixou morrer. Júnior recuou de repente, o coração disparado no peito, o sangue batendo forte em seus ouvidos. A mata parecia fechar-se ao seu redor, os galhos estalando de forma seca, como se fossem ossos se quebrando sob uma pressão invisível. Ele sentiu que algo o observava, uma presença opressora e maligna. Ele sabia, com uma certeza aterrorizante, que gelava sua alma. O bicho-papão havia voltado, e ele não queria apenas assustar, ele queria devorar. A noite se arrastou para Júnior, uma eternidade de escuridão e terror. Deitado em sua cama simples, o teto de palha parecia pulsar, respirar na escuridão densa, como se a própria casa estivesse viva e observando-o. A voz de Ana, gélida e acusadora, ecoava em sua mente, misturada ao som incessante do riacho, que agora parecia mais alto, um murmúrio constante que invadia cada canto de seu pensamento. Ele acendeu a lamparina, e a luz trêmula revelou sombras dançando nas paredes. Não eram apenas sombras da luz bruxuleante, eram formas longas, retorcidas, como dedos esticando-se querendo tocá-lo, arrastá-lo para a escuridão. Ele fechou os olhos com força, tentando se convencer de que era só o medo, a culpa corroendo sua mente, mas o frio na pele, o arrepio constante que não ia embora, dizia o contrário. Havia algo mais, algo palpável. Na manhã seguinte, a vila de São Benedito estava estranhamente silenciosa. Não havia o burburinho habitual dos moradores, nem o canto dos pássaros. O vento, que antes balançava os galhos, agora parecia evitar a praça de terra batida, criando um vácuo inquietante. No posto de saúde, poucos pacientes apareceram. O movimento era quase nulo. O ar parecia mais pesado, carregado de uma tensão invisível. Dona Clara, a benzedeira, passou por Júnior na rua. Seus olhos fundos, que normalmente irradiavam uma sabedoria cansada, estavam cravados no chão, cheios de um terror que Júnior nunca vira. Ela agarrou o braço dele com uma força surpreendente, suas unhas cravando-se na pele de Júnior, deixando uma marca dolorosa. —Ele te viu, menino! Não olhe para ele! Não se entregue! sussurrou a voz rouca, quase um sopro. Antes que Júnior pudesse perguntar quem ele era ou o que ela queria dizer, Dona Clara se afastou, cambaleando, o terço de madeira balançando pesadamente em sua mão, como um pêndulo que marcava o tempo para um destino sombrio. Mateus apareceu no posto na hora do almoço, o rosto pálido e suado, os punhos cerrados com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos. Ele parecia ter envelhecido dez anos em uma noite. Com a voz baixa e tremendo, contou que seu pai, Zé, que costumava beber bastante e era conhecido por suas histórias exageradas, havia visto algo na roça na noite anterior. Não era uma visão de bêbado, Mateus garantia. Zé estava sóbrio quando a figura apareceu, alta, magra, disforme, com olhos que brilhavam como brasas no meio da escuridão. Mateus tentou rir, mas o som saiu estrangulado e seus olhos traíam o pavor genuíno que sentia. Ele confessou a Júnior que, depois da história do pai, havia sonhado com sua própria mãe, morta anos antes. No sonho, ela não parecia a mãe amorosa que ele lembrava, mas uma figura acusadora, seus olhos vazios, culpando-o por não tê-la salvo de uma doença repentina. Júnior sentiu o peito apertar, uma dor aguda. A vila estava mudando, se contraindo, como se uma mão invisível a estivesse estrangulando lentamente, sugando sua vida, sua alegria. Ele sabia, com uma certeza fria, o bicho-papão estava ali e estava se alimentando. Ao entardecer, Júnior viu Lúcia na escola. Ela era a professora da vila, uma mulher sempre tão organizada e calma. Mas agora, sentada à sua mesa, Lúcia corrigia provas com uma lentidão estranha, seus olhos vidrados fixos em um ponto invisível no horizonte. O lápis em sua mão quebrou com um estalo seco, mas ela nem pareceu notar. Júnior sentiu um arrepio. Hematomas roxos, como marcas de garras, marcavam seus pulsos, subindo pelos braços, como se algo a tivesse apertado com força sobrenatural. Ele quis se aproximar, falar com ela, oferecer ajuda, mas o olhar dela, vazio e desesperado, o fez recuar, sentindo um medo irracional. Era um terror diferente do que sentia por si mesmo, um terror por ela, por todos na vila. Lúcia não estava ali. Seu corpo estava presente, mas sua mente, seu espírito, pareciam ter sido levados para longe. Quando a noite finalmente caiu sobre São Benedito, o silêncio da vila tornou-se um grito abafado, um coro de medos inaudíveis. Júnior sentiu a sombra mais perto do que nunca, rastejando em sua pele, sussurrando seu nome com uma voz que parecia vir de dentro de sua própria cabeça, prometendo que ele não estaria sozinho por muito tempo. A igreja de São Benedito, com suas paredes rachadas e vitrais empoeirados, era teoricamente o coração da vila, um lugar de refúgio, de fé. Mas naquela noite ela parecia apenas um eco vazio, um caixão de pedra. Padre Evaristo tentava conduzir a missa noturna, mas a presença era esparça, poucas almas corajosas se arriscavam fora de casa. Júnior sentou-se no último banco, a madeira fria e gasta sob suas mãos, buscando uma paz que não viria. O padre falava de pecados e salvação, mas sua voz, normalmente tão firme, tremia, carregada de um medo palpável, como se ele temesse ser ouvido não pelos poucos fiéis, mas por algo que espreitava nas sombras, algo além das paredes sagradas. Júnior sentia um frio persistente na nuca, como se olhos invisíveis o perfurassem do altar, observando cada movimento, cada respiração. Um som cortou a oração do padre Evaristo, um som que fez os pelos da nuca de Júnior se arrepiarem. Era um arranhar lento, arrastado, como unhas grossas raspando madeira velha, um som que vinha de algum lugar dentro da igreja, mas não se conseguia pinpointar. Os poucos fiéis se entreolharam, atenção visível em seus rostos pálidos. O padre parou de falar, o rosto branco como cera, os lábios tremendo enquanto ele tentava recomeçar a oração, mas as palavras simplesmente não vinham. Júnior olhou para o crucifixo de madeira escura no altar. A sombra da cruz, projetada pela fraca luz das velas, parecia crescer, alongar-se de forma distorcida, esticando-se até o teto em formas que pareciam dedos longos e nodosos, desumanos, curvando-se. Ninguém mais na igreja pareceu notar, fixados na figura do padre ou em suas próprias orações silenciosas, mas Júnior sabia. O bicho-papão estava ali, rindo na escuridão, observando a todos, saboreando o medo que enchia o ar. Após a missa, que terminou de forma abrupta e tensa, Júnior esperou que os poucos fiéis se dispersassem e abordou o padre Evaristo. O padre, enxugando o suor frio da testa com um lenço, confessou com a voz embargada, quase inaudível. Anos antes, ele havia tentado um exorcismo, não em São Benedito, mas em uma vila vizinha, há décadas. Uma jovem, possuída por algo que ele só conseguia descrever como pura maldade, havia morrido durante o processo. Ela gritou até que a voz falhasse, e seu corpo ficou marcado por garras, marcas profundas e escuras no pescoço. Era o bicho-papão, ele murmurou, os olhos cheios de culpa e terror, fixos em um ponto distante. Eu falhei com ela, eu falhei com a fé. Júnior sentiu o chão sumir sob seus pés. A sombra que havia puxado Ana, que o atormentava desde a infância, era a mesma que o padre havia enfrentado, e agora ela estava de volta, e o caçava. Na saída da igreja, o pátio de terra batida estava encharcado pela garoa fina que caía. Júnior, com o coração ainda disparado, viu pegadas no barro úmido. Não eram pegadas humanas. Eram longas, deformadas, com garras que cavavam o chão de forma profunda, como se tivessem sido feitas por algo pesado e monstruoso. As marcas levavam diretamente para a mata escura que cercava a vila. Impulsionado por uma mistura de terror e uma curiosidade mórbida, Júnior seguiu as pegadas, o batimento cardíaco martelando em seus ouvidos. A cada passo, o lamento que ouvira na noite anterior ficava mais próximo. Agora não era mais um choro distante, mas um uivo que rasgava a alma, um som de dor e fome primais. Ele correu para casa, a adrenalina pulsando em suas veias, trancando a porta de madeira velha com o máximo de força que conseguiu. Mas o som o seguiu, infiltrando-se pelas frestas da porta, pelas janelas, como uma fumaça venenosa que sufocava o ar. Então, um baque surdo. Algo bateu na madeira da porta, lento e deliberado, como se soubesse que ele estava ali, do outro lado, indefeso. A madeira gemeu sob o impacto, e Júnior pôde sentir a vibração através do chão. Uma promessa gélida de que a espera havia terminado. O chamado de Dona Clara trouxe Júnior à sua choupana antes mesmo que o sol tocasse o horizonte, uma névoa densa ainda grudada ao chão. O cheiro era pesado ali dentro, uma mistura de ervas secas, incenso e algo mais antigo, um odor de terra molhada e mofo, quase de morte, que parecia impregnar as paredes de barro. Velas tremeluziam fracamente num altar improvisado, iluminando a imagem gasta e manchada de cera de São Benedito. Clara, os olhos fundos afundados no rosto envelhecido, parecia menor do que o normal, como se o peso de todos aqueles anos a tivesse esmagado, diminuído. Ela se sentou em um toco de madeira e começou a contar sua história, a voz quebrada, arrastada, como folhas secas sendo varridas pelo vento. Décadas antes, quando ainda era uma jovem, Clara enfrentou a mesma coisa que agora assombrava a vila. Ela não chamava de bicho-papão, mas de assombra que come a culpa. A entidade havia atraído seu filho, Miguel, de apenas oito anos, para o Riacho, usando as memórias mais dolorosas de Clara contra ela. Miguel, um menino esperto e risonho, tinha uma doença crônica nos pulmões. E Clara vivia se culpando por cada tosse, cada febre. A sombra se alimentava dessa culpa, sussurrando promessas de cura, de paz, de um fim ao sofrimento, atraindo o menino para as margens do rio. Clara, desesperada, tentou um chamado antigo, uma prática que sua avó benzedeira usava para afastar o mal. Ela falhou. Miguel morreu. Seu corpo foi encontrado longe do Riacho, os olhos arregalados e brancos, a pele seca e enrugada como casca velha, como se toda a vida tivesse sido drenada dele. Desde aquele dia terrível, Clara carregava a culpa não apenas pela doença de Miguel, mas por ter falhado em protegê-lo da sombra, sabendo que a entidade nunca havia realmente partido da vila, apenas esperado. Júnior ouvia, o coração apertado no peito, uma dor surda ecoando dentro dele. Ele via a mesma angústia e desespero nos olhos de Clara que sentia por Ana. A benzedeira o alertou, sua voz um sussurro rouco. A sombra se alimenta da sua culpa, menino, e você está cheio dela. Ela se levantou, cambaleando, e começou um serviço antigo, espalhando punhados de sal pelo chão de terra batida, recitando preces em uma língua que Júnior nunca ouvira antes, uma língua que parecia vibrar no ar. O ambiente ficou denso, pesado, e Júnior sentiu um zumbido estranho nos ouvidos, como se vozes distantes de outro mundo estivessem falando ao mesmo tempo, competindo por sua atenção. De repente, as velas no altar se apagaram, não por um sopro, mas como se a luz tivesse sido sugada para fora delas. Um vento gelado, que não vinha de nenhuma janela ou porta, varreu a choupana, derrubando o altar improvisado com um estrondo. Clara gritou, caindo de joelhos, as mãos para o alto em desespero, enquanto uma sombra alta disforme, com olhos brancos e vazios como os de Miguel, surgiu no canto mais escuro da sala, crescendo, ocupando o espaço. Júnior não pensou, apenas reagiu. Ele correu, tropeçando na escuridão repentina enquanto a voz de Clara ecoava em seus ouvidos, misturada a um rugido que parecia rasgar a própria realidade, um som que não era humano, nem animal. Ao sair na rua, a vila estava morta. As luzes das poucas casas acesas estavam apagadas, engolidas por uma escuridão total. Um breu denso, diferente da noite comum. O riacho, que antes murmurava, agora rugia, um som gutural, um chamado inconfundível. Júnior sentiu a presença da sombra em cada sombra que a pouca luz da lua projetava, em cada estalo da mata que parecia ganhar vida própria, os galhos se retorcendo como dedos, e soube, com uma certeza fria que gelou seus ossos, ele era o próximo, a sombra o queria. E ela estava com fome, um grito rasgou a quietude da vila ao amanhecer, um som cru, carregado de desespero, que Júnior ouviu mesmo de dentro do posto de saúde. Mateus correu até a porta, o rosto lívido, branco como cal, as mãos tremendo tanto que mal conseguia segurar-se no batente. Não precisou dizer nada, Júnior sentiu o que havia acontecido antes mesmo das palavras saírem da boca do amigo. Seu pai, Zé, fora encontrado morto na roça. Júnior seguiu Mateus, o estômago revirado, uma náusea que subia pela garganta. Chegaram ao milharal, onde os pés de milho, antes verdes e vibrantes, pareciam agora secos, retorcidos, como se uma doença os tivesse consumido. O corpo de Zé estava ali, estendido no meio das plantas mortas. Os olhos dele estavam arregalados, vidrados, fixos em um ponto invisível no céu cinzento. A boca, aberta em um grito silencioso e agoniante, parecia ter congelado no último momento de terror. A pele de Zé estava cinzenta, um tom doentio que não era natural, como se toda a vida, todo o sangue, tivesse sido sugado para fora dele, deixando apenas uma carcaça vazia. Marcas de garras escuras e profundas cobriam seu pescoço, como se mãos imensas e monstruosas o tivessem apertado com força brutal. O chão ao redor do corpo estava queimado, a terra preta e fumegante, com um cheiro ácido e acre que ardia no nariz de Júnior, um fedor de enxofre e carne queimada que grudava nas narinas. Dona Clara apareceu, seus passos arrastados pela lama, o rosto ainda mais marcado pelo tempo e pelo terror. Ela rezava baixo, o teço tremendo incontrolavelmente em suas mãos enrugadas. Seus olhos, já tão acostumados com a dor e o sofrimento da vila, agora refletiam um pavor primário, quase animal. Ela se aproximou do corpo de Zé, tocou-o com a ponta dos dedos trêmulos e recuou bruscamente, como se tivesse sido queimada. —A sombra está faminta —sussurrou ela, a voz um fiapo de som. —Faminta por mais do que apenas a culpa. A vila, aos poucos, começou a murmurar a lenda, a história sombria da entidade que vivia na mata, atraída por culpa e medo, mas que agora devorava almas e deixava apenas corpos vazios, sem vida. Mateus, ao lado de Júnior, tremia de forma incontrolável, a culpa por não ter salvo a mãe anos antes parecendo consumi-lo, tornando-o um alvo claro para a entidade. Júnior sabia, com uma certeza arrepiante, que não era apenas uma lenda ou uma história de bêbado. Ele sentia a presença da coisa, um peso invisível no ar, uma frieza que parecia vir de dentro da terra. Naquela noite Júnior não conseguiu escapar. Sonhou com Ana. Ela estava no riacho, os cabelos molhados cobrindo parcialmente seu rosto infantil, a pele pálida, quase translúcida. A voz dela, fria e distante, perfurava seus ouvidos. —Você me deixou morrer. Enquanto ela falava, os olhos de Ana, antes tão vivos, tornaram-se brancos, vazios, como os olhos de Zé, como os olhos de Miguel na história de Clara. A água ao redor dela borbulhava e fervia, como se estivesse viva, contorcendo-se em espasmos. Júnior acordou gritando, o suor escorrendo pelo corpo, o terço que ele havia guardado queimando sua pele, como se a fé se negasse a tocá-lo, rejeitasse sua culpa. Um som veio da janela, um arranhar lento e rítmico, como garras afiadas rasgando a madeira. O bicho-papão estava lá fora, ele sabia, esperando. Não apenas esperando para entrar, mas esperando para roubar sua última gota de esperança, para devorar a alma que ele ainda tentava proteger. Lúcia não apareceu na escola, não havia recado, nem sinal. Depois do que aconteceu com Zé, um calafrio correu pela espinha de Júnior. Preocupado, ele seguiu para a casa dela uma choupana humilde de madeira escura e jagasta, alinhada à beira da vila, quase engolida pela mata. O silêncio era a primeira coisa a atingir, um silêncio pesado e oco, um cheiro de mofo, de coisa antiga e abandonada, escapava pela janela entreaberta, arrastando-se para fora como um suspiro doentio. Júnior bateu na porta, a madeira velha ressoando com um eco fúnebre no ar parado, mas o silêncio lá dentro respondeu, um silêncio que parecia zombar da sua presença. Ele empurrou a porta, que rangeu em protesto, e entrou. O quarto de Lúcia era um caos. Papéis rasgados cobriam o chão, como folhas mortas espalhadas por um vendaval invisível. Uma cadeira estava quebrada, virada, suas pernas estendidas como ossos fraturados. E então, ele a viu. Lúcia estava encolhida no canto mais escuro, abraçando os joelhos, balançando-se para frente e para trás, como uma criança traumatizada. Seus olhos, antes cheios de uma luz gentil, estavam vermelhos, inchados de tanto chorar, fixos no vazio, em algo que Júnior não conseguia ver. Mas o que o fez gelar o sangue foram os hematomas. Marcas roxas e escuras, como garras gigantescas, cobriam seus braços, subindo pelo pescoço, como se alguém a tivesse apertado com uma força brutal, deixando as digitais da morte em sua pele. Júnior se aproximou devagar, o coração batendo forte no peito. Lúcia não ergueu o olhar. Ele estendeu a mão, e ela a agarrou, tremendo incontrolavelmente, os dedos dela frios como os de um cadáver. Mas a força com que o segurou era desesperada. Júnior sentiu um frio sobrenatural em sua pele, um arrepio que não vinha do ambiente, mas parecia ter se infiltrado nela, como se a própria sombra que comia a culpa a tivesse marcado, a tivesse reclamado. Lúcia não falava, não conseguia formar palavras coerentes. Mas seus olhos, aqueles olhos vazios e cheios de terror, contavam a história mais macabra. A sombra da infância, um pesadelo que a perseguira desde que vivia em São Luís, voltara. Era o peso de ser uma forasteira, de não pertencer de verdade à vila, de sentir-se uma impostora. A entidade usava isso contra ela, sussurrando mentiras cruéis em sua mente, que ninguém a queria ali, que ela nunca seria aceita, que estava sozinha. Júnior a ajudou a se levantar, cada movimento dela parecendo um esforço agonizante. Mas a culpa, a culpa por Ana, por não ter protegido Lúcia, por não conseguir proteger ninguém, sufocava Júnior, um nó apertado em sua garganta, um peso que ameaçava esmagar seu peito. Ele sentiu-se tão vulnerável quanto ela. Naquela noite, Júnior ficou com Lúcia. Ele não podia deixá-la sozinha. Sentou-se na cadeira mais resistente que encontrou, vigiando, o corpo tenso, cada músculo em alerta. A vela tremia fracamente, projetando sombras longas e distorcidas nas paredes, transformando objetos comuns em monstros. Perto da meia-noite, as batidas começaram, leves, quase sussurradas, ecoando na porta de madeira. Uma, duas, três. Um silêncio gélido se seguiu, um silêncio tão denso que parecia preencher o quarto. Então, novamente, um, dois, três, mais fortes desta vez, mais insistentes. Júnior espiou pela fresta da porta, o olho colado na madeira fria, mas não havia ninguém. A escuridão lá fora era absoluta, engolindo qualquer forma. O ar, antes de mofo, agora cheirava a algo pior. Podridão, como carne estragada, um cheiro doce e enjoativo de decomposição que fez Júnior sentir náuseas. Ele trancou a porta novamente, mais uma vez, mas sabia que era inútil. O coração disparado, ele sentia a sombra rondando, arrastando-se pela choupana, esperando o momento exato de entrar. Um sussurro gelado, que parecia vir de dentro das paredes ou de dentro de sua própria cabeça, ecoou no escuro. —Você não pode salvá-la. Ninguém pode. Ela é minha agora. A voz não era de Ana, nem de Miguel. Era a voz da própria escuridão. Júnior buscou o padre Evaristo desesperado, os pulmões ardendo a cada passo apressado pela vila escura. O terror da noite com Lúcia ainda gelava seu sangue, a voz da sombra ecoando em sua mente. Encontrou o padre na igreja sozinho, ajoelhado diante do altar, o corpo curvado em uma oração murmurada que se misturava a lágrimas silenciosas. A luz fraca de uma única vela projetava sombras dançantes na face envelhecida de Evaristo, tornando-o quase irreconhecível. Ele parecia ter perdido ainda mais peso desde a última vez, sua pele translúcida, esticada sobre os ossos. O padre levantou os olhos vermelhos e inchados para Júnior, um misto de alívio e pavor em seu olhar. Sua voz, agora um fiapo de som rouco, confirmou o que Júnior já suspeitava. Evaristo confessou, sem que Júnior precisasse perguntar, que a jovem que ele tentara libertar anos antes havia morrido de uma forma ainda mais brutal do que ele descrevera. Ela não apenas gritou, sua pele havia se contorcido, seus membros se dobrado em ângulos impossíveis e um odor indescritível de carne queimada e podridão preencheu o lugar. As marcas de garras no pescoço eram profundas, tão profundas que quase a decapitaram. O padre havia enterrado o segredo, aterrorizado e consumido pela culpa, temendo que a verdade sobre o que ele chamava de A Coisa destruísse a pouca fé que restava na comunidade. Mas agora, A Coisa voltava, mais forte, mais faminta, atraída pela culpa que corroía a alma de cada morador de São Benedito. Ela usa os mortos, Júnior. Ela os transforma em ecos para te quebrar, para nos quebrar. É assim que ela se fortalece, disse o padre, a voz tremendo, enquanto entregava a Júnior um terço antigo, as contas de madeira gastas de tanto uso. Júnior segurou o terço. O objeto era leve, mas sentiu um choque, uma onda de frio que subiu por seu braço, como se o terço, carregado de fé e memórias de orações, o rejeitasse, não suportasse a imensa culpa que ele carregava. Ele contou ao padre sobre Ana, sobre os olhos brancos no riacho, sobre o lamento que o perseguia, sobre Lúcia e as batidas na porta. Evaristo ficou pálido, um tom doentio que quase rivalizava com a brancura da cera da vela. Ele quer sua alma, Júnior. Ele não busca apenas o corpo, ele devora a fé, a esperança e a de todos nós. A frase do padre ecoou como uma sentença. Naquela noite, uma tempestade engoliu a vila. Não era uma chuva comum. Raios furiosos rasgavam o céu, iluminando a mata por segundos com uma luz fantasmagórica que revelava os galhos retorcidos como garras de monstros. O vento uivava, um lamento que parecia vir de centenas de gargantas. O riacho, antes apenas agitado, transbordava, invadindo as ruas de terra, arrastando tudo em seu caminho, a água escura e lamacenta, lambendo as soleiras das casas. Júnior, em sua janela, viu vultos nas janelas das casas vizinhas, rostos deformados, olhos brancos e vazios, figuras que não eram humanas, mas imitavam as pessoas que conhecia, sombras daqueles que haviam sucumbido. Ele correu em desespero para a casa de Lúcia, ignorando o perigo. A única esperança de salvação era tirá-la dali. A porta estava aberta, balançando preguiçosamente com o vento. No chão úmido, um bilhete, escrito com uma tinta preta e espessa que parecia sangue seco, tremia. Ela é minha agora. O ar ficou subitamente gélido, um frio que queimava os pulmões, e o som do riacho, que agora era uma enchente avassaladora, parecia rir, um riso gutural e profundo, que se misturava ao uivo do vento, ao troar dos raios. A sombra havia voltado para reclamar o que era seu. Junior correu, a chuva castigando seu rosto como chicotes gelados. O vento gritava, e a escuridão da mata engolia a pouca luz que vinha dos raios distantes. Mateus, que de alguma forma o seguiu, tremia ao seu lado, os olhos arregalados de puro pavor. Os dois avançavam pela trilha lamacenta que levava ao riacho, cada passo afundando na terra encharcada. O lamento da sombra era mais forte agora, um som que parecia se misturar ao uivo do vento e ao rugido da enchente, um coro de agonia e fome que vinha do leito do rio. Quando chegaram à margem, a cena que se apresentou a Junior foi um soco no estômago. No centro do riacho, com a água barrenta e revolta borbulhando ao seu redor como um caldeirão fervente, Lúcia estava de pé. Seus cabelos molhados colavam-se ao rosto pálido, e seus olhos não eram mais os dela. Eram brancos, opacos, vazios, como os de Ana, de Zé e de Miguel. Sua voz, quando ela falou, não era a voz gentil e calma da professora. Era grave, distorcida, como se múltiplos sussurros se fundissem em um único som gutural e aterrorizante. —Você me chamou, disse o bicho-papão através do corpo de Lúcia, e então o corpo dela começou a se contorcer de forma grotesca. Ossos estalavam, um som seco e repugnante, como galhos secos quebrando sob um peso imenso. Os membros de Lúcia se dobraram em ângulos impossíveis, o corpo dela se retorcendo como um fantoche quebrado. Mateus tentou correr, mas a lama pesada o puxou, suas pernas afundando no solo úmido, e ele caiu de cara na terra, soltando um grito abafado de horror e desespero. Junior ficou paralisado, incapaz de mover um músculo, de desviar o olhar da cena macabra. Ele viu Lúcia sendo consumida, sua forma humana se desfazendo. Uma sombra, alta, imponente, emergiu dela. Não era apenas uma figura, parecia ser feita de escuridão sólida, com membros longos e disformes que se estendiam para o céu tempestuoso. Os olhos da sombra eram buracos negros para o vazio, sugando a luz, a vida. Lúcia caiu na água, seu corpo uma casca seca, enrugada, a pele parecendo papel velho, os olhos completamente vazios, desprovidos de qualquer centelha de vida. A sombra se virou para Junior, e ele sentiu o peso da culpa de Ana, da culpa de Lúcia, da culpa de Zé, de todos, esmagando seu peito. Era um fardo insuportável, um veneno que paralisava sua alma. Mateus, no chão, chorava convulsivamente, murmurando o nome da mãe repetidamente, um lamento que se juntava ao uivo do vento. A sombra estendeu um de seus membros, uma névoa escura que parecia querer envolvê-lo, arrastá-lo para as profundezas. Junior, impulsionado por um instinto primitivo de sobrevivência, um terror gelado que superou a paralisia, correu. O terço em seu bolso queimava sua pele, uma brasa de remorso e medo. Ele corria pela mata, os galhos retorcidos parecendo garras tentando agarrá-lo, puxá-lo de volta para a escuridão. Um lamento ecoou atrás dele, um som que parecia vir da própria vila, como se São Benedito inteira chorasse à perda, uma sinfonia de desespero que o perseguia. Ele não sabia para onde ir, apenas que precisava escapar daquele inferno. Junior correu, os músculos queimando, a respiração arfando nos pulmões. Seu destino era o único lugar que parecia oferecer uma resistência, por mais ínfima que fosse. A igreja. A velha estrutura de pedra parecia um farol na escuridão caótica da tempestade. Ele se jogou contra as portas de madeira pesada, fechando-as com um baque surdo que ecoou no silêncio espectral que havia se instalado lá dentro. Segurava o terço apertado na mão, os nós dos dedos brancos, e começou a rezar, as palavras se embolando em sua boca, uma súplica desesperada. Do lado de fora, a sombra que comia a culpa batia nas portas, um som rítmico e sinistro que parecia feito de ossos se quebrando, uma cadência que entrava na sua mente, atormentando-o. Evaristo apareceu, vindo da sacristia, o rosto ainda mais pálido e cansado. Em suas mãos trêmulas, ele carregava um livro antigo, as páginas amareladas e manchadas, a capa de couro puída. Seus olhos, que Júnior vira cheios de medo, agora tinham uma centelha de determinação. O padre falou em um sussurro, mas com uma convicção que Júnior não esperava. A entidade. Ela só pode ser enfrentada com a verdade, Júnior. Não com a fé cega, não com rezas vazias. Você precisa aceitar que não matou Ana. Você precisa se perdoar. As palavras de Evaristo atingiram Júnior como um golpe. Ele fechou os olhos e o riacho veio à sua mente com uma clareza arrepiante. Viu Ana, os cabelos soltos, o sorriso inocente no rosto enquanto ela brincava na margem. Viu a sombra, rápida, inegável, puxá-la para as profundezas. O bicho-papão sussurrava em sua cabeça, uma voz suave e persuasiva, distorcendo a memória, alimentando a culpa, fazendo-o acabar. Fazendo-o acreditar que era sua culpa, que ele deveria ter feito algo, que ele era o culpado por sua irmã ter desaparecido naquelas águas frias. Júnior sentiu sua mente rachar. As lembranças se misturavam. Ana rindo, Ana gritando, Ana com os olhos brancos e vazios. Ele se agarrou ao terço, mas o objeto queimava em sua palma como brasa viva, rejeitando-o. A sombra apareceu na igreja. Não veio pela porta. Surgiu do próprio ar, da escuridão dos cantos, alta, com membros que pareciam se desfazer em fumaça densa e escura. Seus olhos, dois pontos brancos e vazios, perfuravam Júnior, sugando a luz de sua alma. A voz de Ana, gélida e acusatória, ecoava pelas paredes da igreja, amplificada um tormento sem fim. Você me matou. Você me abandonou. Júnior sentiu o desespero engolir, mas então uma raiva fria subiu por sua espinha. Raiva da sombra por ter se alimentado dele por tanto tempo. Raiva por ter distorcido suas memórias, por ter roubado Lúcia, por ter devorado a vila. Ele gritou, sua voz rouca, quase um rugido, segurando o terço com toda a força que tinha. Não foi minha culpa. Você me enganou. Você se alimenta da nossa dor. A igreja tremeu violentamente. As velas apagaram-se de uma vez, mergulhando o local em um breu total, apenas quebrado pelos olhos brancos da entidade. O bicho-papão avançou, seus dedos longos e desformes, roçando a pele de Júnior, frios como a morte, uma promessa de escuridão eterna. Mas ele resistiu. Enfrentou a verdade, não a que a sombra lhe impunha, mas a sua própria verdade. Ele não tinha matado Ana. Ele havia sido uma criança, indefesa diante de algo incompreensível. Com um grito primal, Júnior jogou o terço contra a figura disforme, não como uma arma, mas como um símbolo de sua libertação da culpa. A sombra rugiu, um som que parecia rasgar o próprio tecido da realidade, e a igreja pareceu desabar sobre eles, telhas e pedras caindo com um estrondo ensurdecedor. Mas, de repente, a figura disforme se desfez como cinzas no vento, como se nunca tivesse existido, deixando para trás um silêncio pesado e o cheiro persistente de enxofre e podridão. A Vila São Benedito amanheceu em um silêncio pesado e estranho. Não era o silêncio da noite, mas um vazio que parecia ter roubado a alma do lugar. O Riacho, antes em fúria, agora corria manso, suas águas turvas voltando ao leito, mas sua calma era enganosa. A mata parecia menos viva, como se algo tivesse sugado sua essência, deixando um rastro de exaustão no ar. Júnior sobreviveu, sim, mas carregava cicatrizes profundas na alma, marcas invisíveis que o terror havia esculpido. Mateus foi encontrado na mata, perto de onde Lúcia sucumbira. Estava sentado no chão úmido, os joelhos abraçados, o olhar perdido no vazio. Ele não falava, não reagia a nada. Seus olhos, antes tão cheios de medo e vida, agora eram opacos, distantes, como se a sombra que comia a culpa tivesse levado não apenas sua voz, mas qualquer rastro de sua mente, deixando-o apenas uma casca. Dona Clara e Padre Evaristo simplesmente sumiram, não havia vestígios, nenhuma pista. A vila, em seus sussurros, dizia que eles foram tomados, levados pela mesma escuridão que assolou Lúcia e Zé, uma punição silenciosa por terem se envolvido demais com o que não deviam. São Benedito tentou seguir em frente, tentou fingir que o horror havia passado, mas o medo permaneceu, uma mancha escura na terra e na alma de cada morador, uma ferida que não cicatrizava. As casas, antes cheias de vida, agora pareciam mais vazias, os olhares das pessoas desconfiados, a alegria substituída por uma sombra constante de apreensão. Júnior deixou a vila, carregava consigo apenas o terço gasto que o padre lhe dera e o peso de todas aquelas perdas. Ele nunca mais viu a sombra que comia a culpa, não de forma explícita, mas sentia seu peso em cada sonho que o assombrava, em cada pesadelo vívido onde via os olhos brancos dos mortos, as bocas abertas em gritos silenciosos. O riacho de São Benedito ainda murmurava, sim, mas agora era um murmúrio que guardava segredos terríveis, uma canção de morte e desespero. Nas noites mais escuras, quando a neblina rastejava do rio e a mata parecia respirar, os mais velhos da vila ainda ouviam um lamento distante, um choro que vinha do fundo da floresta, e eles sabiam, com uma certeza arrepiante, que os fazia apertar os terços e sussurrar orações. A sombra que comia a culpa nunca morre. Ela não pode ser morta. Ela espera, na escuridão, pacientemente, por outra alma cheia de culpa para devorar, por outra vila para consumir. E ela sempre encontra.
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